outubro 28, 2011

Os Trigêmeos de Botucatu


Em meados do século XX, mais precisamente em 1950, uma cidade de porte médio, no interior do Estado de São Paulo, Botucatu, passava por uma experiência muito bem sucedida: o nascimento de trigêmeos. E foi parto natural, com os três fetos nascidos com boa saúde e peso. É sabido que a influência de fatores maternos como a idade, história prévia ou familiar de gravidez gemelar, obesidade, multiparidade tem condicionado, ao longo do tempo, um aumento de gestações gemelares. E, naquela época, nem se pensava no uso de técnicas de reprodução assistida e inseminação artificial.

Em 1950, o maior hospital da região era a Misericórdia Botucatuense.
Nada de Planos de Saúde e, muito menos, estava estruturado o SUS – Serviço Único de Saúde (atendimento médico gratuito pelo Estado). Os indigentes eram atendidos em todo o Estado de São Paulo, pelas Santas Casas de Misericórdia, de forma gratuita e com o auxílio financeiro de cada comunidade/sede.

A MITOLOGIA DA GRAVIDEZ MULTIFETAL

Desde sempre, a gravidez multifetal, encantou e assustou. Nos povos mais primitivos era comum a prática do infanticídio. Os esquimós, os aborígenes australianos, os povos africanos e os nativos da América, cada um ao seu modo e de acordo com as crenças dominantes, praticaram o infanticídio em casos de gravidez gemelar ou múltipla. Era tido como um aviso de desgraças e de perigo.

Mas a História nos traz o registro de gêmeos que ficaram famosos. Desde a Bíblia, com os gêmeos Jacob e Esaú, filhos de Isaac e Rebeca. Na Mitologia Greco-Romana, temos Apolo e Artemis (Diana dos Romanos), filhos de Zeus. A Mitologia Latina herdou a essência dos mitos gregos, sendo o mais famoso o dos gêmeos Rômulo e Remo, filhos de Marte (Deus da Guerra) e que são tidos como os lendários fundadores de Roma. Consta que foram amamentados por uma loba, tendo sido encontrados pelo pastor Fáustulo.



E os gêmeos santos: São Cosme e São Damião. Eles teriam nascido na Arábia, sendo que teriam estudado Medicina na Síria, sempre atendendo gratuitamente. São Cosme (Acta) e São Damião (Passio) são santos populares da Igreja Católica e Ortodoxa e são, também, cultuados pelos ritos religiosos populares.

São Cosme e São Damião

Os Trigêmeos de Botucatu

Foi um grande acontecimento para cidade de Botucatu e toda a região, mesmo porque a parturiente viera, às pressas, da vizinha cidade de Bofete, para receber a assistência médica da Misericórdia Botucatuense. Era o principal centro médico para mais de trinta municípios. Naquele tempo não havia as facilidades da medicina moderna. Nada de ultrassonografia, ecocrafia e muito menos acompanhamento médico no período pré-natal.

Chegada de Bofete, a paciente Benedita Frudeles Gomes, sem recursos, foi encaminhada para a Enfermaria das Mulheres da Misericórdia. Pelo exagerado volume da barriga, foi logo chamado o Dr. Antônio Delmanto, Diretor Clínico do Hospital e médico cirurgião com especialidade em ginecologia e obstetrícia.diagnosticando no exame clínico o caso de gravidez multifetal, comprovou-se com o controle radiológico, uma gravidez trigemelar. O Diretor Clínico imediatamente fez remover a paciente para um quarto particular.



A notícia do parto natural de trigêmeos correu a região, chegando até a Capital, pelo inusitado acontecimento, através de parto natural e com plena saúde dos gêmeos. O Dr. Delmanto foi auxiliado pela parteira d. Amália Lorenzetti e enfermeiros. A última criança teve que ser extraída, tendo decorrido bem a intervenção obstétrica. As crianças, todas do sexo masculino, receberam os nomes de Luiz, João e Antônio, sendo os nomes em homenagens ao pai, ao genitor da parturiente e ao médico obstetra, os trigêmeos que pesavam respectivamente, Luiz, 1.950 grs.; João, 1.980 e Antônio, 2.100 grs. Os trigêmeos foram registrados por seu pai, Luiz Gomes (Registro Civil das Pessoas Naturais do Primeiro Subdistrito da Sede do Município e Comarca de Botucatu/ 01/03/1950).

As crianças ficaram sob os cuidados do médico pediatra daquele hospital, dr. Antônio Pires de Campos, que foi de uma grande dedicação, dispensando o máximo cuidado e a assistência mais perfeita possível. O dr. Pires, como era conhecido, gozava de grande prestígio em toda a região, por sua dedicação e por seu trabalho profissional.

O Dr. Delmanto entendeu que a paciente devia ter passado por uma estimulação espontânea de hormônios, o que gerou uma gravidez atípica, com produção de vários óvulos, resultando em vários fetos. Hoje, há a confirmação precoce do diagnóstico através de uma ecografia, desde as 6 semanas de gestação.

Nos últimos anos, a reprodução assistida, com fertilização in vitro, tem proporcionado um aumento de gravidez multifetal (gemelar ou múltipla). Verifica-se até um certo abuso nas clínicas especializadas com a utilização de óvulos e de espermas doados. Os mais difíceis e complicados casos de mulheres (com mais de 35 anos, com hipertensão e diabetes) com dificuldade para engravidar são resolvidos graças ao avanço da tecnologia médica e de um acompanhamento seguro no pré-natal.

OS TRIGÊMEOS DO DR. GUIMARÃES

O médico e historiador botucatuense, Dr Sebastião de Almeida Pinto, registrou um acontecimento inusitado em meados da década de 1930. Diz ele que o Dr. Guimarães “certa tarde recebeu um chamado telefônico de Pardinho. Era o Zico farmacêutico, convocando o Mestre para ir atender a um parto complicado. Como era de seu hábito, foi preparado para tudo. No Ford de bigodes do falecido Zé Cocada (José Sartori), veterano motorista, prático das estradas de bibocas e fazendas, fez a quatro léguas até à Capela. Chegado ao endereço indicado, foi encontrar uma parturiente, que se apresentava em curiosa situação. Tivera um filho, numa fazenda do município de Bofete. Era um feto pequenino, com um quilo e pouco de peso. Morrera logo após o nascimento.

Pouco depois, a mulher entrou novamente em trabalho de parto. Que não havia meio de terminar. Levaram-na então a Pardinho, de onde chamaram o dr. Guimarães. Este, ao primeiro exame, verificou a má posição do feto. E com sua longa prática, fez umas manobras, extraindo um bebezinho, que era um rato de pequeno. E estava morto. Mas não havia meio da coisa não terminar. Havia um terceiro nascituro. O experimentado obstetra pensou um pouco e temendo conseqüências desfavoráveis, resolveu trazer a mulher para Botucatu. Em aqui chegando, na Santa Casa, extraiu o terceiro feto, tão pequeno e débil, quanto os primeiros. Foi levado à incubadora, mas não resistiu muito tempo. Matou-o sua debilidade congênita, eis que a quantidade superou a qualidade.

Boa fora a prudência do veterano médico. A parturiente sofreu uma grande hemorragia post-partum que deu trabalho para ser dominada. Imagine se a complicação ocorresse num lugar sem recursos. Seria mais um morto a inutilizar uma estafante trabalheira. Dr. Guimarães comentou: “Pela primeira vez vi trigêmeos, nascidos em lugares diferentes. Um em Bofete, outro em Pardinho e outro em Botucatu. Caso pouco comum.”

REGISTRO HISTÓRICO. Abaixo, notícias sobre os Trigêmeos de Botucatu, na imprensa local:

Os Trigêmeos da Misericórdia Botucatuense
Transferida para um quarto particular a paciente e os três filhos

Internada na Enfermaria D. Isabel F. Arruda, a indigente Benedita Frudeles Gomes, esposa do sr. Luiz Gomes, residentes no Bairro do São Roque Velho, municipio de Bofete, foi diagnosticado com o controle radiológico, gravidez trigemelar.

Iniciado o trabalho de parto o dr. Antônio Delmanto, diretor clinico do Hospital fez remover imediatamente a paciente para um quarto particular. A assistência foi prestada pelo dr. Antonio Delmanto, auxiliado pela parteira d. Amalia Lorenzetti e enfermeiros. A última criança teve que ser extraída, tendo decorrido bem a intervenção obstétrica.
As crianças, todas do sexo masculino, receberam os nomes de Luiz, João e Antônio, sendo os últimos nomes em homenagens ao genitor da parturiente e ao médico obstetra.
Os trigêmeos estão sob os cuidados do
dr. Antônio Pires de Campos, médico pediatra da Misericórdia.
(
jornal “Democracia - 19/02/1950)


Estão passando bem os Trigêmeos
Os trigêmeos da Misericórdia Botucatuense, Luiz, João e Antonio, assim como a genitora, estão passando bem. As crianças estão sob os cuidados do médico pediatra daquele hospital, dr. Antônio Pires de Campos, que tem sido de uma grande dedicação, dispensando o máximo cuidado e a assistência mais perfeita possível.
As crianças apresentam os pesos seguintes: Luiz, 1.950 grs.; João, 1.980 e Antônio, 2.100 grs. Levando-se em conta a perda natural nos primeiros dias, pode-se deduzir que os mesmos apresentam bons pesos.
Da. Benedita Frudeles Gomes e os seus três filhos têm recebido muitos donativos em roupas. O sr. Amadeu Carmelo fez entrega de Cr$ 300,00, angariados na Vila dos Lavradores. ( jornal “Democracia” - 26/02/1950)

5 comentários:

Delmanto disse...

A citação na notícia do jornal “DEMOCRACIA”, de 1950, que a parturiente foi internada na Enfermaria Dona Isabel Franco de Arruda, nos mostra a importância dos doadores da comunidade para obras beneficentes. Dona Isabel Franco de Arruda foi quem deu a grande contribuição financeira para o início da construção do Hospital. Assim, vamos relembrar os beneméritos da Misericórdia Botucatuense, nas palavras de seu Diretor Clínico (1937/1952), Dr. Antônio Delmanto:
“Quando assumimos a Diretoria Clínica, a Misericórdia não dispunha de uma Sala de Cirurgia de acordo, nem de Raio X, sendo que a anestesia geral era feita de forma precária, com clorofórmio e balsofórmio, muito tóxicos para os pacientes, constituindo-se em um perigo e insegurança para os enfermos.
Nessa ocasião, iniciei uma campanha junto à população para a construção de uma Sala de Cirurgia. A sala, localizada perto dos quartos, ampla, com outra sala de esterilização e mais um cômodo, passou a funcionar em pouco tempo.
Fizemos um trabalho, um apelo com o Dr. Darwin do Amaral Viegas, muito ligado à família do Dr. José Freire Villas Boas, conseguindo do mesmo a doação de um aparelho moderno, novo, de anestesia geral controlada, dando-nos a segurança e tranqüilidade nas cirurgias.
Outro problema a resolver era o aparelho de Raio X, cuja aquisição era dificílima, quase impossível, dado o preço do mesmo, absolutamente fora do alcance da Misericórdia.
Lembrei-me do Comendador Antonio Pereira Ignácio, amigo e colega de meu pai na mocidade, quando trabalhava na Vila dos Lavradores com comércio de calçados. Depois foi para Sorocaba onde fundou esse império que é a Votorantim (é avô do empresário Antonio Ermírio de Moraes). Apelei para o Comendador Pereira Ignácio, expondo as nossas dificuldades e a impossibilidade financeira de adquirirmos tão caro equipamento. Pedi que ele abrisse a campanha para a aquisição do Raio X.
Qual não foi a nossa grande surpresa quando Pereira Ignácio enviou, de presente, um novo e moderníssimo Aparelho de Raio X para a Misericórdia Botucatuense.
Juntamente com o Dr. Antonio Pires de Campos, em um trabalho mais dele do que meu, conseguimos da viúva do ex-prefeito municipal, Tonico de Barros (Antonio José de Carvalho Barros), a construção de um pavilhão, com elevado número de quartos, centro cirúrgico, etc. A doação de Dona Nhazinha (Maria José Conceição) possibilitou a construção do referido pavilhão que recebeu o nome de Maternidade “Nhazinha de Barros”. Quando faleceu, deixou todos os seus bens (imóveis na capital) à nossa Santa Casa.
Na antiga Sala de Cirurgia que construímos, funciona a sala de Ortopedia. Para a instalação desse serviço, com todo o material necessário, caríssimo, recebemos a doação do industrial, vice-presidente da FIESP e Deputado Federal, Antonio de Souza Noschese, nosso conterrâneo, que prestou também ajuda financeira às outras entidades assistenciais de Botucatu.”
É Registro Histórico!

Anônimo disse...

Que belo trabalho, Delmanto. E foi feita justiça aos beneméritos que ajudaram a construir a Misericórdia Botucatuense, como o avô do empresário Antonio Ermírio de Moraes. E ele seguiu esse exemplo liderando e dirigindo a famosa Beneficência Portuguesa por décadas. E o registro do nascimento dos trigêmeos na Misericórdia. Você não citou, mas vou citar a especialização do Dr. Antoninho Delmanto. Já Farmacêutico, fez seu curso de Medicina no Rio de Janeiro, especializando-se, por 2 anos, na Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, na terceira enfermaria de mulheres. Auxiliou e fez estágio com o Dr. Benedito Montenegro, então considerado o melhor cirurgião do Brasil e que viria a ser Diretor da Faculdade de Medicina da USP.
Esse trabalho precisa ser visto e divulgado, para que todos possam saber a importância de uma comunidade organizada na resolução de seus problemas, vencendo as dificuldades encontradas.
Gostei e vou divulgar entre os amigos de minha lista de emails. (carlosantoniomascarenhas@yahoo.com.br)

Anônimo disse...

Nooooooosssa, meu amigo

Ao ler este artigo reportei-me às aulas de História da Civilização quando aprendi que Fáustulo e sua esposa Aca Laurentia encontraram Romulo e Remo boiando num cesto ao sabor das águas do Rio Tibre.Lembrei-me muito da minha professora Eunice de Almeida Pinto e também do DR. Sebastião de Almeida Pinto, meu prof. de biologia.

Vi aqui o retrato de seu pai, meu obstetra em 2 partos. Saudades muitas.

E até o Cocada, motorista que meu pai utilizava muito em dias de chuva prá levar-me à escola.Ou então era seu filho Palmiro.

E mais uma porção de coisas aqui citadas que me transportaram ao passado, revivendo experiências maravilhosas.

Obrigada mil vezes.

Abraço

Neide

Envio em seguida o mais recente artigo de minha amiga Dra. Maria Lucia Victor Barbosa, cientista política. Apenas prá seu conhecimento
(neidesanches@yahoo.com.br)

Anônimo disse...

Caro amigo Armando,
Muito interessante o artigo sobre os trigemeos. É um estudo profundo. Mas, lembrou-me de uma reportagem sobre o Anjo da Morte - Joseh Mengele - o Nazista - quando refugiou-se na Argentina. Conta-se que praticou experiências com várias mulheres da cidade de Candido de Godoy ( Não é meu parente ) com a intensão da gestação de gemeos. Muitos afirmam que foi reportagem falsa, coisa inventada para IBOPE. Inventada ou não, esse alemão gostava de fazer experiências médicas.
Olavo Pinheiro Godoy (olavogodoy@yahoo.com.br)

Anônimo disse...

Minha Avo tambem teve tri-gemeos a 77 anos atras - meus dois tios sobreviveram, minha tia morreu apos parto.
Pedro Pires de Campos eh o nome do meu amado Avo/ Eugenia Teixeira Pires de Campos, o nome da minha Avo...

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