janeiro 30, 2012

Maquiagem transformadora

Este blog, quando se propôs a ser um Forum Cultural tinha em mente, também e sempre, a cultura e sua importância para a formação da nossa sociedade. E existiu um mito cultural, uma escritora: Virginia Wooolf!
E, quando se comemora seus 130 anos, nada mais oportuno do que prestarmos a nossa homenagem.

Por estarmos tratando da comemoração do primeiro aniversário do Blog do Delmanto, a Frase da semana ganhou uma modificação que, não de propósito, se estabelece através de uma frase de Virginia Woolf. A exemplo desta, e daqui pra frente, as frases da semana serão ilustradas com imagens de seus autores.

Virginia Woolf foi festivamente homenageada com o título do filme Who's Afraid of Virginia Woolf?/1966 - Quem tem medo de Virgínia Woolf? - um drama que mexeu com todos em seu lançamento, e marcou uma época do cinema americano, uma adaptação da peça teatral, escrita por Edward Albee, e a explosão artítisca de Elizabeth Taylor e Richard Burton. INESQUECÍVEL!

Contudo, fica impossível deixar de notar a atenção que o cinema tem dedicado à autora inglesa, em algumas de suas melhores produções.

E, hoje, através da colaboração da requeri, prestamos também a nossa homenagem a esse símbolo da cultura mundial:

Aos 130 anos que Virginia Woolf - trajetoria - completaria em 25 de janeiro.

Adeline Virginia Stephen Woolf clama a essência da tragédia. Incapaz de controlar a própria vida, preferiu a morte, afogando-se num rio com os bolsos cheios de pedras.

Em 28 de março de 1941, Virginia cometeu suicídio. Vestiu-se com um casaco, encheu o bolsos de pedras e caminhou lentamente Rio Ouse a dentro, afogando-se. Acharam seu corpo quase um mês depois.
Um bilhete foi deixado ao marido Leonard Woolf, e deixa clara a essência daquela união.

"Querido,
Tenho certeza de estar ficando louca novamente. Sinto que não conseguiremos passar por novos tempos difíceis. E não quero revivê-los. Começo a escutar vozes e não consigo me concentrar. Portanto, estou fazendo o que me parece ser o melhor a se fazer. Você me deu muitas possibilidades de ser feliz. Você esteve presente como nenhum outro. Não creio que duas pessoas possam ser felizes convivendo com esta doença terrível. Não posso mais lutar. Sei que estarei tirando um peso de suas costas, pois, sem mim, você poderá trabalhar. E você vai, eu sei. Você vê, não consigo sequer escrever. Nem ler. Enfim, o que quero dizer é que é a você que eu devo toda minha felicidade. Você foi bom para mim, como ninguém poderia ter sido. Eu queria dizer isto - todos sabem. Se alguém pudesse me salvar, este alguém seria você. Tudo se foi para mim mas o que ficará é a certeza da sua bondade, sem igual. Não posso atrapalhar sua vida. Não mais. Não acredito que duas pessoas poderiam ter sido tão felizes quanto nós fomos.V."


Indiscutivelmante, ela desfrutava das condições fundamentais para se afirmar como escritora, e tinha consciência disso, como é possível notar no seu ensaio - A room/Um Quarto – onde descreve o espaço, físico, psicológico e material bastantes para executar o ofício de escritora.

As mulheres inglesas, nascidas a partir de 1800, produziram obras inovadoras e estimulantes, e VW não foge à regra.

Sua obra Mrs. Dalloway, narra a vida de uma dona de casa que vai dar uma festa, enquanto Londres borbulha lá fora, e inspirou Michael Cunningham a escrever The Hours - título que teria sido inicialmente escolhido pela autora, antes de se decidir por Mrs Dalloway.

Clique na imagem abaixo, para visualizá-la maior.

A obra de Michael Cunningham virou um filme/2002 dirigido por Stephen Daldry, e fez chegar às mãos de Nicole Kidman, o Oscar pela atuação como Virginia Woolf.
Três atrizes nos encantam em The Hours: Nicole Kidman, Meryl Streep e Julianne Moore.

A história narra, em 3 períodos diferentes, 3 mulheres distintas ligadas ao/pelo livro escrito por Virginia Wolf, Mrs Dalloway;
  1. em 1923 a própria escritora, interpretada por Nicole Kidman;
  2. em 1951, Laura Brown, interpretada por Julianne Moore, a dona de casa que não consegue parar de ler o livro, e prepara uma festa pro marido;
  3. nos dias atuais, a editora de livros, Clarissa Vaughn, interpretada por Meryl Streep, que vive com o escritor Richard Brown, seu ex-amante e filho de Laura Brown, que está com AIDS, morrendo, e pra quem ela prepara uma festa.

Tudo aquilo que deve conter um filme pra fazê-lo parecer um fascinante quebra-cabeças.

O autor Michael Cunningham escreveu seu livro, As horas, em 1998, e presta uma homenagem a Virginia Wolf. Enfim ele emprestou o título provisório do livro, o título que Virginia iria dar ao livro.

Se não por tudo isso, por ser um filme espetacular, ele vale pela interpretação e pela maquiagem da Nicole Kidman.

Clique na imagem abaixo, para visualizá-la maior.

RESENHA CRÍTICA - por Liana de Camargo Leão/Doutora em Letras/Professora de Literatura da UFPR

AS HORAS, DE MICHAEL CUNNINGHAM E MRS. DALLOWAY, DE VIRGINIA WOOLF

Examine por um momento uma mente comum em um dia comum. A mente recebe uma miríade de impressões - triviais, fantásticas, evanescentes, ou gravadas com a agudeza do aço. De todos os lados as impressões chegam, como uma chuva incessante de átomos; e quando caem, tomam a forma da vida de segunda-feira, terça-feira, e o modo desta chuva de impressões é diferente de outra; (...) A vida não é uma série de lampiões simetricamente arrumados; a vida é um halo luminoso, um envoltório semi-transparente que nos envolve do início da consciência até o fim. (Virginia Woolf)

Em 1998, o escritor norte-americano Michael Cunningham, autor de Uma casa no fim do mundo (1990) e Laços de sangue (1996 ) publica As Horas e arrebata público e crítica, ganhando o Pulitzer Prize e o PEN / Faulkner Award de 1999. O título, emprestado do título provisório que Virginia Woolf escolhera para o romance em que trabalhava em 1923, Mrs Dalloway, é em si uma boa porta de entrada para o texto de Cunningham: sem Virginia Woolf, As horas de Cunningham seria impossível.
As horas é, na verdade, uma grande homenagem a esta que foi, junto com James Joyce e T. S. Eliot, um dos maiores mitos do modernismo do século XX. Cunningham abre o livro com um prólogo, em que ficcionaliza o célebre e trágico suicídio da escritora Virginia Woolf no ano de 1941. Para a reconstrução desse episódio biográfico, bem como de alguns outros que Cunningham reconstituirá ao longo de seu romance, ele nos informa que se baseou em uma série de fontes: duas biografias, os diários e as cartas de Virginia, alguns livros e artigos sobre a autora, e ainda introduções e prefácios à obra Mrs Dalloway. Ou seja, além de leitor e admirador, Cunningham tornou-se ele mesmo também um especialista em Virginia Woolf em sua tentativa, muito bem sucedida, de recriar ela e outras pessoas de seu círculo familiar e de convivência - o marido Leonard Woolf, a irmã Vanessa Bell e os três filhos, a empregada Nelly Boxall - que aparecem em As Horas como personagens de ficção. O simples fato de As horas se abrir com o episódio do suicídio de Virginia é indício suficiente da centralidade do tema para toda a obra. A sombra da loucura e da morte de fato projeta-se sobre todo o livro, transbordando do enredo de Mrs.Woolf para as duas outras narrativas, que se centram sobre as personagens Mrs. Brown e Mrs. Dalloway.
As horas trabalha, portanto, com três enredos, distintos no espaço e no tempo - Richmond, subúrbio de Londres em 1923, quando Virginia luta contra a loucura e escreve Mrs Dalloway; um subúrbio de Los Angeles em 1949, quando Laura Brown, leitora de Mrs Dalloway, mãe do menino Richie, de três anos, e grávida, luta contra seu sentimento de não-pertencimento e considera o suicídio como possibilidade; e Nova Iorque, em 1990, quando Clarissa Vaugham prepara uma festa para seu amigo e antigo amante, o poeta aidético Richard que sofre alucinações devido ao avanço da doença. As três personagens femininas, distintas e distantes no tempo e espaço, estão, entretanto, relacionadas, fios narrativos que se cruzam: Virginia, a artista em crise, que em parte projeta sua angústias em seus personagens, que enfrenta a loucura e pensa no suicídio, escolha que de fato abraça em 1941; Laura, a leitora compulsiva que vicariamente encontra a verdadeira vida em um personagem, uma vez que sua vida real de mãe e dona-de-casa lhe parece sem sentido - fracassa em cumprir as mais corriqueiras tarefas do dia-a-dia, impotente diante das expectativas do olhar do filho, inoperante ao preparar um simples bolo de aniversário - e termina por metaforicamente morrer quando abandona a família; e Clarissa, a personagem do fim do século XX, homônima da Clarissa de Virginia Woolf, que preenche o vazio de sua vida cuidando de Richard, o ex-amante e aidético terminal, e que vicariamente vive do sucesso dele, prepara-lhe uma festa para celebrar o coroamento de sua carreira de poeta e termina por testemunhar seu suicídio.
Muitos outros paralelos entre os enredos das três mulheres podem ser ainda traçados. Por exemplo, em cada um dos enredos, a guerra é uma presença importante - a Primeira Guerra Mundial funciona como uma sombra ameaçadora no livro Mrs Dalloway que Virginia escreve em 1923; o marido de Laura Brown é herói da Segunda- Guerra Mundial -, ainda que seja uma guerra metaforica - no enredo de 1990, o personagem Richard luta sua guerra individual contra a aids, guerra que infelizmente para ele, está perdida. Porém, ainda mais importante para uma maior compreensão de As horas é saber seus temas já se encontram, incipientes ou plenamente desenvolvidos, no romance de Virginia Woolf.
Um dos grande temas de As horas é, sem dúvida, a questão da identidade. Já em Mrs Dalloway, Woolf explora o tema da identidade em relação a protagonista, Clarissa, que ao se casar, deixa para trás o mundo vitoriano da casa de campo dos pais e ingressa na sociedade da Londres do início do século XX; deixa, a um tempo, de ser simplesmente Clarissa, com seus sonhos e suas expectativas, e passa a ocupar a posição de esposa de um Membro do Parlamento, a anfitriã perfeita, a senhora Dalloway.
Aqui cabe fazer a ressalva de que é o termo "protagonista" de fato não pode se aplicar sem reservas ao romance de Woolf. Este é um romance que justamente investiga essa função e de certa forma opera sua partilha entre muitos personagens, os quais acompanhamos os pensamentos, mas principalmente o jovem Septimus Warren Smith, que retorna da guerra. Sem nunca encontrar a senhora Dalloway, Septimus , no entanto, faz parte de sua vida. Como ela, ele está também submetido as horas que batem, ao movimento da cidade; mais que ela, que é uma convalescente em vias de celebrar seu retorno à vida, Septimus vive à sombra da morte: ele presenciou horrores e é incapaz, a despeito do amor que lhe dedica a esposa, de se reintegrar ao cotidiano normal da vida na cidade.
Muitos dos temas que reaparecem em As horas estão relacionados a Septimus, ainda que este não seja diretamente recriado por Cunnningham. Septimus é o personagem que vive de maneira mais traumática o sentimento de inadequação e não pertencimento, de fracasso e medo, ainda que também Peter Walsh, Richard e a própria Clarissa, e os personagens menores, experimentem momentos semelhantes. No caso de Septimus, o sentimento de não-pertencimento culmina com seu suicído, quando pula de um edifício de apartamentos e é impalado pelas grades.
O fio que liga o enredo de Septimus a Clarissa é bastante tênue: a morte de um jovem rapaz perturbado pelos traumas da guerra é tão somente mencionada em meio a grande festa de Clarissa Dalloway; Clarissa o desconhece, e a princípio frivolamente se incomoda que assunto tão desagradável tenha sido trazido à conversação em sua festa. Mas, a despeito dessa frivolidade

inicial, o impacto da morte do jovem desconhecido de alguma forma abala Clarissa - ela também, afinal, tinha encontrado e sobrevivido a morte, era uma convalescente. Abala-a ao ponto de ela ter de retirar por um minuto da festa para estar a sós consigo, recolhida em seu momento de introspecção, antes de voltar a seus convidados. Mrs Dallloway, portanto, também em termos formais já anuncia As horas: a idéia de um duplo enredo, onde os personagens jamais se encontram, a não ser simbolicamente - pela morte, pela sombra da guerra, por habitarem uma mesma Londres - é magistralmente realizada por Virginia Woolf e retomada e expandida por Cunningham em As horas.
E, em termos temáticos, como abordamos acima, Mrs Dalloway e As horas são também muito próximos: Woolf e Cunninhgam exploram a identidade fluida que seus personagens experimentam, as sensações de amor à vida e de não pertenciamento à esta que em diferentes momentos parecem emergir de seus corações. Essa fluidez da própria identidade é realizada já no título: experimenta-se a vida em horas, e não em séculos ou anos. Horas que falam de uma urgência em ser, em viver, em sentir a cidade e experimentar-se a si mesmo. E nesta urgência, vida e morte não são mais opostos.
O tempo nos dois romances se medem em horas, instantes. Em Mrs Dalloway, horas e instantes em que inesperadamente abre-se uma porta e lá está Peter Walsh, o homem da vida de Clarissa, trazendo-lhe de volta Bourton, a mocidade, o amor; ou Sally Seton, o único momento de completude e perfeição que Clarissa experimentou; ou Elizabeth, de repente uma jovem mulher, recebendo influências que Clarissa desaprova; lá estão também o marido Richard, o amigo Hugh Whitbread, Lady Bexborough e todos os outros, com quem Clarissa compartilhou suas horas. No romance de Cunninhgam também são horas e instantes que medem a vida, instantes em que abrem-se as portas que dão para cidade e Clarissa Vaugham mergulha em seu anseio de viver; ou instantes em que passa-se por portas para nunca mais retornar, como quando Virginia deixa sua casa e se rende às águas do rio; ou ainda, portas que se batem atrás das pessoas, quando Laura Brown abandona a família e foge para o Canadá.
E, nos dois romances, sobretudo as portas e também as janelas da memória: que trazem o passado mais esquecido, os desejos mais remotos, os planos sonhados e desfeitos, os fracassos e as pequenas vitórias. Esses instantes, fugazes e solenes - o bater-se a porta, o abrir-se a janela, as horas batendo no Big Ben - compõem a vida, no que ela tem de mais essencial: o ritual diário de abrir os olhos, as janelas, as portas, e saltar para a vida, ou, finalmente, para a morte.

5 comentários:

Anônimo disse...

Que legal, Delmanto. É muito bom um trabalho como esse. Cultura é para ser disseminada, sempre. E a cinéfila Requeri é muito boa nisso, também. Assisti ao filme da Elizabeth Taylor e do Richard Burton , “Quem tem medo de Virginia Woolf” e fiquei impressionada. Gostei como a grande maioria, tanto que os dois protagonistas que já eram mitos do cinema e eram casados, parece que se amaram muito e se separaram e voltaram a se casar, sempre com brigas fantásticas...Será que o filme os marcou também?!?
Valeu. Agora quero assistir “As Horas”, as 3 atrizes são excelentes e o enredo nos traz toda a vida de Virginia Woolf. (mariceiaoliveira@yahoo.com.br)

Anônimo disse...

Essa Merryl Streep é o máximo e deverá ganhar o Oscar de melhor atriz, neste ano, interpretando a primeira ministra Margareth Tahcher. E nesse filme sobre a Virginia Woolf, ela também deve estar com uma senhora interpretação. Vou assistir “As Horas”, com certeza. Brigadão e abs.(carla.bueno2011@bol.com.br)

Anônimo disse...

Sempre tive uma grande admiração pela escritora Virginia Woolf e como professor, sempre que posso, procuro transmitir a sua importância para a literatura e para o movimento de emancipação das mulheres. Virginia Woolf ficou famosa por seus romances e também por seu livros feministas, frutos de suas palestras em colégios para mulheres. Considerada uma grande revelação na literatura inglesa, exerceu enorme influência nos meios universitários e intelectuais da Inglaterra. Acabou por se suicidar, vítima de doença mental que a afetava desde a infância. Esse filme, “As Horas,” poderá ser um excelente meio para que essa escritora inglesa seja melhor conhecida na atualidade.(luisroberto-souza@yahoo.com.br)

Anônimo disse...

Virginia Woolf foi pioneira no mundo da literatura inglesa e foi ousadamente protagonista de uma relação íntima com outra mulher, em plena Inglaterra rígida nos costumes. Ela representa um importante marco na liberação feminina. Merece e precisa ser melhor estudada, debatida e compreendida. (jair.castro66@yahoo.com.br)

Anônimo disse...

querido armando,
que beleza de artigo!!!!!
virginia woolf é uma das minhas referências literárias... e a vida dela foi um grande sofrimento.
vc retratou isso de maneira clara e respeitosa, para que a moçada se interesse por essa escritora emblemática.
parabéns!
abs,
Alcides (Alcides Nogueira)

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