“Sim, eu sou um desaparecido cuja esmaecida, inútil foto se publica num canto de uma página interior de jornal, eu sou o irreconhecível, irrecuperável desaparecido que não aparecerá mais nunca, mas só tu sabes que em alguma esquina de uma não lembrada cidade estará de pé um homem perplexo, pensando em ti, pensando teimosamente, docemente em ti, meu amor.”
Rubem Braga
Nesta época de encontros e reencontros, de comemorações, de novos projetos de vida e de renovação dos sonhos e esperanças, nada melhor do que a leitura das crônicas de Rubem Braga. Nada melhor do que desfrutarmos dos textos daquele que é considerado o melhor cronista do Brasil.
Entre os estilos literários, a crônica requer os olhos bem abertos do cronista para o milagre do fugaz , do passageiro. Saber capturar os descuidos da vida, com seus dramas, o seu lirismo, o cenário do cotidiano com as pessoas e os fatos em sua fugacidade. O cronista, às vezes, registra em seus textos alguma permanência maior desses acontecimentos...
No Brasil, a atuação jornalística e literária de Rubem Braga está definitivamente marcada. Com ele, os amigos do conhecido e admirado “quarteto mineiro”, formado porHélio Pellegrino, Otto Lara Resende, Paulo Mendes Campos e Fernando Sabino. Amigo e colega de Carlos Drummond de Andrade, Rubem Braga pertenceu, também, à turma dos jovens boêmios da famosa “Taberna da Glória”, no Rio, composta por ele, por Mário de Andrade, Carlos Lacerda, Vinícius de Moraes, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos e Dorival Caymmi.
É considerado o maior cronista brasileiro. Escolhemos duas crônicas de Rubem Braga:
O DESAPARECIDO e RITA.
O DESAPARECIDO
Tarde fria, e então eu me sinto um daqueles velhos poetas de antigamente que sentiam frio na alma quando a tarde estava fria, e então eu sinto uma saudade muito grande, uma saudade de noivo, e penso em ti devagar, bem devagar, com um bem-querer tão certo e limpo, tão fundo e bom que parece que estou te embalando dentro de mim.
Ah, que vontade de escrever bobagens bem meigas, bobagens para todo mundo me achar ridículo e talvez alguém pensar que na verdade estou aproveitando uma crônica muito antiga num dia sem assunto, uma crônica de rapaz; e, entretanto, eu hoje não me sinto rapaz, apenas um menino, com o amor teimoso de um menino, o amor burro e comprido de um menino lírico. Olho-me ao espelho e percebo que estou envelhecendo rápida e definitivamente; com esses cabelos brancos parece que não vou morrer, apenas a minha imagem vai-se apagando, vou ficando menos nítido, estou parecendo um desses clichês sempre feitos com fotografias antigas que os jornais publicam de um desaparecido que a família procura em vão.
Sim, eu sou um desaparecido cuja esmaecida, inútil foto se publica num canto de uma página interior de jornal, eu sou o irreconhecível, irrecuperável desaparecido que não aparecerá mais nunca, mas só tu sabes que em alguma esquina de uma não lembrada cidade estará de pé um homem perplexo, pensando em ti, pensando teimosamente, docemente em ti, meu amor.
RITA
No meio da noite despertei sonhando com minha filha Rita. Eu a via nitidamente, na graça de seus cinco anos.
Seus cabelos castanhos – a fita azul – o nariz reto, correto, os olhos de água, o riso fino, engraçado, brusco...
Depois de um instante de seriedade; minha filha Rita encarando a vida sem medo, mas séria, com dignidade.
Rita ouvindo música; vendo campos, mares, montanhas; ouvindo de seu pai o pouco, o nada que ele sabe das coisas, mas pegando dele seu jeito de amar – sério, quieto, devagar.
Eu lhe traria cajus amarelos e vermelhos, seus olhos brilhariam de prazer. Eu lhe ensinaria a palavra cica, e também a amar os bichos tristes, a anta e a pequena cutia; e o córrego; e a nuvem tangida pela viração.
Minha filha Rita em meu sonho me sorria – com pena deste seu pai, que nunca a teve.
No Brasil, a atuação jornalística e literária de Rubem Braga está definitivamente marcada. Com ele, os amigos do conhecido e admirado “quarteto mineiro”, formado porHélio Pellegrino, Otto Lara Resende, Paulo Mendes Campos e Fernando Sabino. Amigo e colega de Carlos Drummond de Andrade, Rubem Braga pertenceu, também, à turma dos jovens boêmios da famosa “Taberna da Glória”, no Rio, composta por ele, por Mário de Andrade, Carlos Lacerda, Vinícius de Moraes, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos e Dorival Caymmi.
É considerado o maior cronista brasileiro. Escolhemos duas crônicas de Rubem Braga:
O DESAPARECIDO e RITA.
O DESAPARECIDO
Tarde fria, e então eu me sinto um daqueles velhos poetas de antigamente que sentiam frio na alma quando a tarde estava fria, e então eu sinto uma saudade muito grande, uma saudade de noivo, e penso em ti devagar, bem devagar, com um bem-querer tão certo e limpo, tão fundo e bom que parece que estou te embalando dentro de mim.
Ah, que vontade de escrever bobagens bem meigas, bobagens para todo mundo me achar ridículo e talvez alguém pensar que na verdade estou aproveitando uma crônica muito antiga num dia sem assunto, uma crônica de rapaz; e, entretanto, eu hoje não me sinto rapaz, apenas um menino, com o amor teimoso de um menino, o amor burro e comprido de um menino lírico. Olho-me ao espelho e percebo que estou envelhecendo rápida e definitivamente; com esses cabelos brancos parece que não vou morrer, apenas a minha imagem vai-se apagando, vou ficando menos nítido, estou parecendo um desses clichês sempre feitos com fotografias antigas que os jornais publicam de um desaparecido que a família procura em vão.
Sim, eu sou um desaparecido cuja esmaecida, inútil foto se publica num canto de uma página interior de jornal, eu sou o irreconhecível, irrecuperável desaparecido que não aparecerá mais nunca, mas só tu sabes que em alguma esquina de uma não lembrada cidade estará de pé um homem perplexo, pensando em ti, pensando teimosamente, docemente em ti, meu amor.
RITA
No meio da noite despertei sonhando com minha filha Rita. Eu a via nitidamente, na graça de seus cinco anos.
Seus cabelos castanhos – a fita azul – o nariz reto, correto, os olhos de água, o riso fino, engraçado, brusco...
Depois de um instante de seriedade; minha filha Rita encarando a vida sem medo, mas séria, com dignidade.
Rita ouvindo música; vendo campos, mares, montanhas; ouvindo de seu pai o pouco, o nada que ele sabe das coisas, mas pegando dele seu jeito de amar – sério, quieto, devagar.
Eu lhe traria cajus amarelos e vermelhos, seus olhos brilhariam de prazer. Eu lhe ensinaria a palavra cica, e também a amar os bichos tristes, a anta e a pequena cutia; e o córrego; e a nuvem tangida pela viração.
Minha filha Rita em meu sonho me sorria – com pena deste seu pai, que nunca a teve.
4 comentários:
O cronista Rubem Braga sempre foi o meu escritor preferido. Sempre o considerei o “poeta da prosa” brasileira. Desde os anos sessenta, pesquisando e lendo tudo que era publicado por ele, nos jornais e nas revistas. O estilo literário da crônica é o ideal para que o iniciante comece a gostar de ler livros. Fiz assim com meus filhos. Primeiras leituras com Rubem Braga, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos e Carlos Drummond de Andrade. Nos anos 80/90, tinha uma coleção de livros chamada “Para Gostar de Ler”, que era excelente. Gostosa de ler, com boas histórias, não muito longas, abordando o lado cômico, melancólico, irônico e poético do cotidiano. Além de ser uma leitura agradável, despertava no jovem, no aluno o gosto pelos livros.
Rubem Braga (1913/1990) e o cantor Roberto Carlos são os filhos mais famosos de Cachoeiro de Itapemirim, no Espírito Santo. É formado em Direito, sendo que estudou no Rio e em Minas, onde se formou e iniciou a sua carreira de jornalista depois de formado. Trabalhou em jornais de Minas Gerais, Rio de Janeiro, Porto Alegre, São Paulo e Recife. Foi correspondente de guerra (durante a 2ª. Grande Guerra Mundial), representando o Diário Carioca. Durante o governo do presidente Jânio Quadros foi convocado para representar o Brasil no exterior. Assim, foi Chefe do Escritório Comercial do Brasil no Chile e Embaixador do Brasil no Marrocos.
Lança seu primeiro livro, em 1936. Publica uma série de livros de sucesso. Como poeta fez parte da “Antologia dos Poetas Bissextos Contemporâneos”, organizada por Manuel Bandeira. O livro “200 Crônicas Escolhidas”, foi publicado com a supervisão de Fernando Sabino que selecionou as crônicas. E o CD, com a voz de Edson Celulari, com onze crônicas de Rubem Braga, também surgiu desse livro.
Na apresentação do CD, a escritora Marina Colasanti deixou uma mensagem perfeita de Rubem Braga:
“Do meu terraço, vejo o terraço de Rubem Braga. As plantas que ele plantou já são floresta. Que eu olho sempre como se ele ainda estivesse ali, diante da máquina, desdobrando o fio sutil das suas crônicas. Ninguém escreveu tão bem sobre os pequenos momentos, as mulheres que não possuem, o olhar que se pousa sobre o outro, o doce trânsito do imaginário. Olho o terraço e escuto: na voz de Celulari, o sabiá da crônica volta a cantar.”
É isso.
Simples assim.
Pura poesia em prosa.
O melhor cronista do Brasil!
Bom roteiro, Delmanto. Fazer a iniciação com os cronistas e contistas da nossa literatura (a coleção “Para Gostar de Ler” é famosa e adotada) e, em seguida, ir introduzindo os nossos escritores, José de Alencar, Machado de Assis, Graciliano Ramos, Jorge Amado e tantos e tantos outros brilhantes. O que é preciso é fugir das escolas que trazem “pacotes fechados e chatos” de livros para seus alunos, geralmente amarrados com o patrocínio de alguma grande Editora... Conforme a dose, o aluno pega verdadeira “ojeriza” aos livros. E viva o Rubem Braga!
(haroldo.leao@hotmail.com)
Rubem Braga! Quem não leu esse cronista fabuloso? Com “Ai de ti Copacabana”, “A Despedida”, “O Conde e o Passarinho”, “Os Romanos”, “Sobre o Amor...”, “O Homem Rouco”, “Procura-se”, “Um Pé de Milho”, “A Palavra”, “Os Amantes”, “Meu ideal era escrever” e por aí vão as criações imortais de Rubem Braga. Somos um povo privilegiado por termos um escritor como ele. É, realmente, o MELHOR do Brasil!
(p.gomes@yahoo.com.br)
Joana Sant'Iago (Facebook): valeu Armando Moraes Delmanto. Com este calor,parar e ler essa marvilha,foi demais. Obrigada
Postar um comentário