janeiro 11, 2013

Centenário de Rubem Braga
- 1913/2013 -

“Sim, eu sou um desaparecido cuja esmaecida, inútil foto se publica num canto de uma página interior de jornal, eu sou o irreconhecível, irrecuperável desaparecido que não aparecerá mais nunca, mas só tu sabes que em alguma esquina de uma não lembrada cidade estará de pé um homem perplexo, pensando em ti, pensando teimosamente, docemente em ti, meu amor.” - Rubem Braga -


retrato de Rubem Braga
por Candido Portinari/1953
O centenário de Rubem Braga (12/01/1913- 19/12/1990), o grande cronista brasileiro, começa a ser comemorado hoje, em Cachoeiro de Itapemirim, ES, cidade natal do escritor, com a abertura da IV Bienal Rubem Braga.
Ainda pelas comemorações do seu Centenário, teremos pela José Olympio, a publicação de Retratos parisienses, com 31 textos, inéditos em livro, que retratam personalidades como Matisse e Sartre, escritas no período em que Rubem Braga foi correspondente em Paris. Pela Editora Record sairá a edição especial de 200 crônicas escolhidas, um dos títulos mais vendidos do autor, e a editora lançará também Rubem Braga – O lavrador de Ipanema, seleção de textos que revelam a paixão do escritor pela natureza.
Em sua biografia, Rubem Braga tem importante passagem pela edição de livros. Juntamente com Fernando Sabino foi proprietário da Editora do Autor e, posteriormente, também com Fernando Sabino, da Editora Sabiá. Criterioso, publicava os melhores, entre eles, Clarice Lispector.

retrato de Rubem Braga
por Dorival Caymmi/1943

O cronista Rubem Braga sempre foi o meu escritor preferido. Sempre o considerei o “poeta da prosa” brasileira. Desde os anos sessenta, pesquisando e lendo tudo que era publicado por ele, nos jornais e nas revistas. O estilo literário da crônica é o ideal para que o iniciante comece a gostar de ler livros. Fiz assim com meus filhos. Primeiras leituras com Rubem Braga, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos e Carlos Drummond de Andrade. Nos anos 80/90, tinha uma coleção de livros chamada “Para Gostar de Ler”, que era excelente. Gostosa de ler, com boas histórias, não muito longas, abordando o lado cômico, melancólico, irônico e poético do cotidiano. Além de ser uma leitura agradável, despertava no jovem, no aluno o gosto pelos livros.

Rubem Braga e o cantor Roberto Carlos são os filhos mais famosos de Cachoeiro de Itapemirim, no Espírito Santo. É formado em Direito, sendo que estudou no Rio e em Minas, onde se formou e iniciou a sua carreira de jornalista depois de formado. Trabalhou em jornais de Minas Gerais, Rio de Janeiro, Porto Alegre, São Paulo e Recife. Foi correspondente de guerra (durante a 2ª. Grande Guerra Mundial), representando o Diário Carioca. Durante o governo do presidente Jânio Quadros foi convocado para representar o Brasil no exterior. Assim, foi Chefe do Escritório Comercial do Brasil no Chile e foi Embaixador do Brasil no Marrocos.
Márcio Moreira Alves, Rubem Braga e Jânio Quadros com Che Guevara,
em visita a Havana/Cuba, em 1960.
- Foto: Arquivo Luiz Alberto Moniz Bandeira -

Lança seu primeiro livro, em 1936. Publica uma série de livros de sucesso. Como poeta fez parte da “Antologia dos Poetas Bissextos Contemporâneos”, organizada por Manuel Bandeira. O livro “200 Crônicas Escolhidas”, foi publicado com a supervisão de Fernando Sabino que selecionou as crônicas. E o CD, com a voz de Edson Celulari, com onze crônicas de Rubem Braga, também surgiu desse livro.

Na apresentação do CD, a escritora Marina Colasanti deixou uma imagem perfeita de Rubem Braga:
“Do meu terraço, vejo o terraço de Rubem Braga. As plantas que ele plantou já são floresta. Que eu olho sempre como se ele ainda estivesse ali, diante da máquina, desdobrando o fio sutil das suas crônicas. Ninguém escreveu tão bem sobre os pequenos momentos, as mulheres que não possuem, o olhar que se pousa sobre o outro, o doce trânsito do imaginário. Olho o terraço e escuto: na voz de Celulari, o sabiá da crônica volta a cantar.”
Pura poesia em prosa.
O melhor cronista do Brasil!

Nesta época de encontros e reencontros, de comemorações, de novos projetos de vida e de renovação dos sonhos e esperanças, nada melhor do que a leitura das crônicas de Rubem Braga. Nada melhor do que desfrutarmos dos textos daquele que é considerado o melhor cronista do Brasil.
Entre os estilos literários, a crônica requer os olhos bem abertos do cronista para o milagre do fugaz , do passageiro. Saber capturar os descuidos da vida, com seus dramas, o seu lirismo, o cenário do cotidiano com as pessoas e os fatos em sua fugacidade. O cronista, às vezes, registra em seus textos alguma permanência maior desses acontecimentos...


No Brasil, a atuação jornalística e literária de Rubem Braga está definitivamente marcada. Com ele, os amigos do conhecido e admirado “quarteto mineiro”, formado porHélio Pellegrino, Otto Lara Resende, Paulo Mendes Campos e Fernando Sabino. Amigo e colega de Carlos Drummond de Andrade, Rubem Braga pertenceu, também, à turma dos jovens boêmios da famosa “Taberna da Glória”, no Rio, composta por ele, por Mário de Andrade, Carlos Lacerda, Vinícius de Moraes, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos e Dorival Caymmi.

É considerado o maior cronista brasileiro. Escolhemos três crônicas de Rubem Braga:
O DESAPARECIDO, RITA e DESPEDIDA:

O DESAPARECIDO


Tarde fria, e então eu me sinto um daqueles velhos poetas de antigamente que sentiam frio na alma quando a tarde estava fria, e então eu sinto uma saudade muito grande, uma saudade de noivo, e penso em ti devagar, bem devagar, com um bem-querer tão certo e limpo, tão fundo e bom que parece que estou te embalando dentro de mim.

Ah, que vontade de escrever bobagens bem meigas, bobagens para todo mundo me achar ridículo e talvez alguém pensar que na verdade estou aproveitando uma crônica muito antiga num dia sem assunto, uma crônica de rapaz; e, entretanto, eu hoje não me sinto rapaz, apenas um menino, com o amor teimoso de um menino, o amor burro e comprido de um menino lírico. Olho-me ao espelho e percebo que estou envelhecendo rápida e definitivamente; com esses cabelos brancos parece que não vou morrer, apenas a minha imagem vai-se apagando, vou ficando menos nítido, estou parecendo um desses clichês sempre feitos com fotografias antigas que os jornais publicam de um desaparecido que a família procura em vão.

Sim, eu sou um desaparecido cuja esmaecida, inútil foto se publica num canto de uma página interior de jornal, eu sou o irreconhecível, irrecuperável desaparecido que não aparecerá mais nunca, mas só tu sabes que em alguma esquina de uma não lembrada cidade estará de pé um homem perplexo, pensando em ti, pensando teimosamente, docemente em ti, meu amor.

RITA

No meio da noite despertei sonhando com minha filha Rita. Eu a via nitidamente, na graça de seus cinco anos.

Seus cabelos castanhos – a fita azul – o nariz reto, correto, os olhos de água, o riso fino, engraçado, brusco...

Depois de um instante de seriedade; minha filha Rita encarando a vida sem medo, mas séria, com dignidade.

Rita ouvindo música; vendo campos, mares, montanhas; ouvindo de seu pai o pouco, o nada que ele sabe das coisas, mas pegando dele seu jeito de amar – sério, quieto, devagar.

Eu lhe traria cajus amarelos e vermelhos, seus olhos brilhariam de prazer. Eu lhe ensinaria a palavra cica, e também a amar os bichos tristes, a anta e a pequena cutia; e o córrego; e a nuvem tangida pela viração.

Minha filha Rita em meu sonho me sorria – com pena deste seu pai, que nunca a teve.


Despedida
E no meio dessa confusão alguém partiu sem se despedir; foi triste. Se houvesse uma despedida talvez fosse mais triste, talvez tenha sido melhor assim, uma separação como às vezes acontece em um baile de carnaval — uma pessoa se perde da outra, procura-a por um instante e depois adere a qualquer cordão. É melhor para os amantes pensar que a última vez que se encontraram se amaram muito — depois apenas aconteceu que não se encontraram mais. Eles não se despediram, a vida é que os despediu, cada um para seu lado — sem glória nem humilhação.

Creio que será permitido guardar uma leve tristeza, e também uma lembrança boa; que não será proibido confessar que às vezes se tem saudades; nem será odioso dizer que a separação ao mesmo tempo nos traz um inexplicável sentimento de alívio, e de sossego; e um indefinível remorso; e um recôndito despeito.

E que houve momentos perfeitos que passaram, mas não se perderam, porque ficaram em nossa vida; que a lembrança deles nos faz sentir maior a nossa solidão; mas que essa solidão ficou menos infeliz: que importa que uma estrela já esteja morta se ela ainda brilha no fundo de nossa noite e de nosso confuso sonho?

 Talvez não mereçamos imaginar que haverá outros verões; se eles vierem, nós os receberemos obedientes como as cigarras e as paineiras — com flores e cantos. O inverno — te lembras — nos maltratou; não havia flores, não havia mar, e fomos sacudidos de um lado para outro como dois bonecos na mão de um titeriteiro inábil.

Ah, talvez valesse a pena dizer que houve um telefonema que não pôde haver; entretanto, é possível que não adiantasse nada. Para que explicações? Esqueçamos as pequenas coisas mortificantes; o silêncio torna tudo menos penoso; lembremos apenas as coisas douradas e digamos apenas a pequena palavra: adeus.

A pequena palavra que se alonga como um canto de cigarra perdido numa tarde de domingo.
(Rubem Braga, do livro "A Traição das Elegantes", Editora Sabiá – Rio de Janeiro, 1967, pág. 83)

5 comentários:

Delmanto disse...

Poder falar sobre Rubem Braga é sempre muito bom. Principalmente, para os que construíram o seu estilo nas letras inspirados no estilo de Rubem Braga: espontâneo, envolvente e de tal forma atraente que transformava seus leitores em adeptos do bom texto .
O escritor Nelson Rodrigues sempre dizia que Rubem Braga era, na prosa, um dos maiores poetas brasileiros. Era puro lirismo. O cotidiano se transforma sob a sua ótica. Era direto, mas suave em sua contundência.
CENTENÁRIO! Que bela caminhada. Fazia parte dos jovens escritores (ele + Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos e Carlos Drumonnd de Andrade) que encantaram o então jovem presidente eleito do Brasil, Jânio da Silva Quadros. Jânio esteve em Cuba antes de sua posse e, na comitiva, estava Fernando Sabino que retratou, em livro, o momento mágico que Cuba estava vivendo. E Rubem Braga, a pedido de Jânio, foi Encarregado do Escritório Comercial do Brasil no Chile e Embaixador do Brasil no Marrocos. Sem demérito para a tradicional carreira diplomática, Jânio acreditava que a inclusão de intelectuais brilhantes iria oxigenar o Itamaraty e levá-lo a experimentar um novo período de valorização da cultura brasileira. E ele estava certo!
Então, Rubem representou muito mais que um cronista/escritor para a cultura brasileira. Quer como editor, ou correspondente de Guerra, ou como correspondente em Paris, ou como embaixador, sempre procurou divulgar em alto nível a nossa cultura e a grandeza do país.
Salve a boa literatura!
Salve Rubem Braga!

Anônimo disse...

Centenário de Rubem Braga! Quem não leu esse cronista fabuloso? Com “Ai de ti Copacabana”, “A Despedida”, “O Conde e o Passarinho”, “Os Romanos”, “Sobre o Amor...”, “O Homem Rouco”, “Procura-se”, “Um Pé de Milho”, “A Palavra”, “Os Amantes”, “Meu ideal era escrever” e por aí vão as criações imortais de Rubem Braga. Somos um povo privilegiado por termos um escritor como ele. É, realmente, o MELHOR do Brasil!
(p.gomes@yahoo.com.br)

Anônimo disse...

Bom roteiro, Delmanto. Fazer a iniciação com os cronistas e contistas da nossa literatura (a coleção “Para Gostar de Ler” é famosa e adotada) e, em seguida, ir introduzindo os nossos escritores, José de Alencar, Machado de Assis, Graciliano Ramos, Jorge Amado e tantos e tantos outros brilhantes. O que é preciso é fugir das escolas que trazem “pacotes fechados e chatos” de livros para seus alunos, geralmente amarrados com o patrocínio de alguma grande Editora... Conforme a dose, o aluno pega verdadeira “ojeriza” aos livros. E viva o Rubem Braga em seu Centenário!
(haroldo.leao@hotmail.com)

Anônimo disse...

Joana Sant'Iago (Facebook): valeu Armando Moraes Delmanto. Com este calor, parar e ler essa marvilha,foi demais. Obrigada

Delmanto disse...

A idéia de Jânio Quadros sempre foi a de ter Rubem Braga como seu Ministro da Educação. Jânio procurou se cercar, desde o início de sua gestão, pelos jovens intelectuais brasileiros que estavam dando um novo perfil à nossa literatura e à nossa cultural de um modo geral. Tanto foi assim que em sua viagem a Cuba, antes da posse, tinha em sua comitiva Rubem Braga e Fernando Sabino. Com Affonso Arinos de Mello e Franco, que também foi a Cuba e que seria seu ministro das Relações Exteriores, Jânio implantou a ousada política internacional da Terceira Via, distante tanto dos Estados Unidos como da Rússia, que representavam a polarização política do mundo. A viagem a Cuba, quando os guerrilheiros cubanos ainda gozavam da fama de terem feito uma Revolução Independente a favor do povo cubano e da Livre Determinação dos Povos do chamado Terceiro Mundo, representou uma tomada firme de posição a favor da Livre Determinação dos Povos.
Ficou a promessa de um governo que durou tão pouco. Nesse governo, Rubem Braga e os chamados “intelectuais mineiros” tiveram uma participação ativa e decisiva.

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