abril 07, 2015

O Batizado da Cidade Morena, poesia de José Pedretti Neto.

O Batizado da Cidade Morena, poesia de José Pedretti Neto.


Completando a Série “Botucatu é Poesia”, trazemos uma preciosidade literária que é o poema-homenagem de Pedretti Neto à sua cidade. Em um tempo em que os poetas escreviam e homenageavam seu torrão natal... Já próximos do aniversário de Botucatu, ao mesmo tempo que divulgamos a boa literatura, procuramos incentivar novos poetas a apresentarem seus trabalhos no exercício sadio da cidadania.

Pedretti Neto (artigo no final) exerceu o magistério e o jornalismo, tendo participado de todos movimentos culturais de nossa cidade. Já falecido, foi lembrado na fundação da ABL – Academia Botucatuense de Letras como seu PATRONO, quando HUGO PIRES fez sua ilustração para a Galeria dos Patronos da ABL.


O seu poema cívico em homenagem a Botucatu também foi apresentado durante as comemorações do 1º Centenário, no dia 26 de maio de 1955 e publicado na edição de nº 1, da revista botucatuense de cultura - PEABIRU, de janeiro/fevereiro de 1997:



O BATIZADO DA CIDADE MORENA


Houve uma festa enorme

no batizado da cidade recém-nascida.

Na catedral verde da mata

toda enfeitada de festões e cipoama

o padrinho foi o primeiro que chegou.

Era um bandeirante ousado e façanhudo.

um comedor de terra.

um come-léguas,

um Chico vira mundo.

Entrou com o facão abre-picada

e sem dar satisfação

meteu as botas pela nave tapetada de musgo.

Lá fora

no átrio da igreja de esperança,

- capim fino, dormideiras, maravilhas brancas e vermelhas...
                                                                                     (joás...

tudo que é planta e flor se transformou num tapete em demanda da pia batismal !

O bandeirante façanhudo

carranca carregada.

barba negrejante,

subiu a serra

e parecia que o coração aos saltos lhe saia pela boca.

Lá em cima,

nos corcovos da terra

a serra descia e subia e voltava e sumia

brincando de esconde-esconde com o sol.

O bandeirante parou extasiado e

respeitoso fez o Sinal da Cruz.



Depois, conclamando as gentes prá festança disparou um violento tiro de arcabuz.

A serra inteira incendiou-se de luz...

Veio o padre.

seu vigário.

todo de preto,

mas alegre e brincalhão.

Parece que este homem tem um sol no coração.

Bem se vê que ele é destemido,

destorcido.

capaz de enfrentar o saci, o curupira

e até assombração !

Cruz credo !

Este homem não tem medo de mula sem cabeça...

Este homem dá risada do caipora e

da magia dos pagés.

Este homem

- parece mentira ! -

na terra de Tupã plantou uma capelinha.

Uma capelinha que diante da serra é tão pequenina,

miudinha,

assim deste tamanho...

Mais parece uma casa de boneca essa capela...

Mas essa capela tão pequena,

com seu sino espevitado.

desafinado.

marcou o destino da terra que nascia :

a marca da alegria e da bondade

que os sinos de Deus imprimem na vida,

nos homens,

nos povos,

nas cidades...

E seu vigáno-jesuíta

trouxe coroinhas cor de cobre

uns tapuias que moravam por ali.

Na cátedral verde da mata

os picos da serra eram torres apontando o Infinito !

Um artista consumado,

o vento sul,

vento andejo.

moleque endiabrado,

independente como ele só,

altivo como não há outro,

ajeitou a ondulante cabeleira de maestro

e depois

com a batuta das palmeiras

vaidosas,

esperançosas,

altaneiras,

preludiou o "Glória" na ramagem da floresta.



Era o início da festa !



O bandeirante chegou desajeitado

carregando nos braços possantes um corpo franzino de

menina.

Um corpo moreno

vestido do azul do céu

e do branco das nuvens.

O padre tirou do Lavapés a água lustral

para o batismo da cidade.

E enquanto falava com Deus numa língua desconhecida

tomou o óleo louro do sol

e com ele traçou no corpo moreno da terra o sinal da Cruz!

Depois,

num gesto altivo e nobre,

levantou a voz e proclamou :

"Em nome do Pai e do Filho e do Espirito Santo

eu te batizo. Botucatu."

Pelas quebradas, pelos vales, pelas grotas,

pelas picadas da serra,

na paz das solidões e das malocas,

o eco repetiu o nome batismal...

Acordaram as tribos mal dormidas...

Repetia a Natureza comovida :

Este nome tem um gosto de cantiga

este nome simboliza um fanal...



Depois.

a festança de fazer água na boca.

O Lavapés alcoviteiro.

novidadeiro.

perdendo a languidês saiu aos pulos e aos pinotes

contando umas coisas que ele ouviu.

Umas coisas que não entendeu muito bem

umas coisas esquisitas,

uns pensamentos, umas profecias

saidos da boca de seu vigário-jesuíta.

No ocaso o sol se punha.

O jesuíta olhou a paisagem ensangüentada de sol

e erguendo o braço apontou a distância.

E ali do púlpito telúrico,

para as aves, para as plantas, para os bichos, para o

                                                             [bandeirante,

pronunciou o seu sermão :

- Esta cidade, meus irmãos, um dia

será nossa esperança como já é nossa alegria.

Do Lavapés ao ribeirão Tanquinho,

do Capivara ao Tietê ao Pardo e ao Paranapanema

pela terra onde zunem flechas

por onde andejam as tribos erradias

do Iguatemi ao Ivinhema

há de impor-se o nome de Ibitucatu !

Nome, mensageiro de amor.

mensageiro de fé,

mensageiro de paz,

um nome que há de ser símbolo

para dar ao amigo um abraço,

para dar à criança um regaço,

para fechar os olhos do que morre,

para rezar sobre a campa uma oração.


Para dar ao inimigo o seu perdão!


Botucatu será maior que todas as cidades,

de todos os tempos, de todos continentes,

de todas as idades !

Nessa avaliação não importa a riqueza, nem tamanho.

O que importa é ter nobreza e coração

ser trabalhador, ser honesto e ser cristão !

E Botucatu o será !


Na sua majestade sobre a serrania

ela mesma confessará um dia :

acima de mim, olhai vós todos,

acima de mim somente existe,

a cidade de Deus,

o Deus que me criou !


JOSÉ PEDRETTI NETO




JOSÉ PEDRETTI NETO:

Ele contradisse pelo seu valor a frase evangélica de que ninguém é profeta em sua própria terra. Viu transcorrer sua vida inteira adstrito àquele amor telúrico que o levara, às vezes, à exaltação a mais sincera e entusiasta. Aqui estudou, trabalhou, educou-se e aqui desenvolveu pela sua inteligência e pelos seus exemplos a mais bela e nobre existência de cidadão, professor, de profissional das letras.
Ao contrário da maioria, jamais abandonou o berço para conquistar lá longe os louros da vitória. Aqui se fez e devolveu à Terra-Mãe, aos cêntuplos, todas as honras que lhe coroaram o nome.

Nasceu Pedretti Neto em 12 de agosto de 1920, filho de Nello e Edith Maria Varoli Pedretti. Frequentou a antiga Escola Normal como aluno primário e secundário. Mediante provas graduou-se no nível superior.
Desde aí serviu o agora Instituto de Educação “Dr. Cardoso de Almeida”, por longos anos, como professor de Prática de Ensino. Mediante concurso foi nomeado para Chefiar a Secção de Educação do Curso de Formação de Professores Primários daquele estabelecimento, cargo que ocupou até seu falecimento.

De 1959 a 1964 exerceu a Direção do Estabelecimento, período em que mais brilho se projetou a tradicional Escola. No cinquentenário da antiga Normal, Pedretti Neto convocou e a seu convite reuniram-se numa brilhante confraternização todos os remanescentes de todas as cinquenta turmas diplomadas. Festa inesquecível, quando foram prestadas homenagens aos Mestres do Passado.

Pedretti Neto lecionou no Instituto Santa Marcelina, ocupando as cadeiras de Filosofia e Psicologia. Na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras foi professor catedrático de Metodologia do Ensino. No Colégio La Salle foi professor do curso de contabilidade, lecionando

A par de suas atividades didáticas, Pedretti Neto distinguiu-se como poeta, escritor, jornalista, historiador e tradutor. Herdou do pai, velho jornalista, todo o humor, o senso crítico e a “verve” latina que atraia para suas colunas o leitor interessado. Colaborou com todos os jornais da cidade e da região. Fora da cátedra, seu lugar efetivo era na redação da “Folha de Botucatu” tão bem dirigida e orientada pelo mestre

Casado com a professora Laurentina Peres Pedretti, deixou três filhos que lhe seguiram as sendas do estudo e da inteligência. Sua morte inesperada e prematura, num entardecer de 4 de maio de 1968, deixou órfão e vazio, desde então, o jornalismo botucatuense.

Iniciado no jornalismo desde os quatorze anos, Pedretti Neto distinguiu-se na imprensa da capital, ocupando desde 1948, pelo espaço de vinte anos, o encargo de correspondente do “O Estado de São Paulo”. Dono de cultura solidamente adquirida, Pedretti Neto mais do que ninguém era um pesquisador de nossas origens. Tinha absoluto conhecimento da língua italiana e profundo senhor da história da colônia italiana nestas terras, deixou escritos dois volumes densos e interessantíssimos à respeito.

Católico militante, com atuação evidente no laicato, foi colaborador de

Entre os trabalhos deixados constam obras de valor didático, de grande alcance e atualidade.
Foi fundador do Centro Cultural de Botucatu. Grande conhecedor da obra e vida de Vital Brasil, promoveu na cidade grandes festejos por ocasião do transcurso de seu centenário. Possuia a medalha-comenda Vital Brasil.

Muitas vezes premiado pelo “O Estado”, teve muitas e valiosas colaborações publicadas, extraída de seu livro “O Clube dos 33 Contentes” e a “Tomada da Porta Pia” e muitas outras mais.

(Folha de Botucatu/ 15/12/1988 e publicado no livro “Memórias de Botucatu”, de 1990).

11 comentários:

Delmanto disse...

Nas comemorações dos 160 Anos de Botucatu, completamos a Série “BOTUCATU É POESIA”, com a divulgação de trabalhos literários em homenagem a nossa cidade de grande importância, alguns raríssimos e que precisam chegar ao conhecimento de nossa juventude:
“SAUDADES DE BOTUCATU” – Angelino de Oliveira;
“EU VOU PRA BOTUCATU” – Paulo Bomfim;
“PRINCESA DA SERRA” – Trajano Pupo Jr.;
“BOTUCATU EM VERSO” – Progresso Garcia;
“o BATIZADO DA CIDADE MORENA” – José Pedretti Neto.

Anônimo disse...

Ana Maria Tancler Stipp (Facebook):
Não o conheci, mas as histórias incríveis que me contaram, sinto não ter participado.
Entretanto, tive o prazer de conhecer sua família e estudar com um de seus filhos José Pedretti Júnior de quem tenho mta saudade.
Parabéns pelo artigo querido amigo.
Tenho acompanhado todos e me emocionado mto.

Anônimo disse...

Eunice Lima (Facebook):
Foi diretor do IECA quando eu lá estudei. Muitas recordações.

Anônimo disse...

Luiz Henrique Peres (Facebook):
Grande e querido Tio Pedretti!!! Todas as lembranças excelentes e de magistral cunho cultural para Botucatu!!! Eternizado!!!

Anônimo disse...

Olguinha Lacerda (Facebook):
Eu conheci ....e muito ! Muitas saudades ! Ele sempre foi "ímpar"

Anônimo disse...

Armando, bela homenagem ao papai. Obrigado!!!!

Anônimo disse...


José Pedretti Júnior‎ (Facebook/ Americana):
Obrigado Armando, fiquei muito feliz com essa bela homenagem.
Estou enviando o link de seu blog ao meu irmão.
Abraços

Anônimo disse...

Caro Armando, você sempre nos emocionando...
Tomo a liberdade de lhe enviar dois textos que redigi sobre Botucatu, há algum tempo,caso deseje publicar.
Forte abraço,
Carmen Sílvia Martin Guimarães - Acadêmica da ABL

Anônimo disse...

Bom dia, Prezado Armando.

Sou apreciador de seus email com conteúdos de muita utilidades e valores. Agradeço.

Hoje li a poesia de nosso saudoso Padreti, assim como também a do Trajano há alguns dias . Ambas

com acentuados valores e lembranças.

Convivo com Botucatu e seu povo há muitos anos, boa parte de meus 93, guardando boas recordações.

Cumprimento-o e parabenizo-o pelas suas iniciativas e peço-llhe aceitar meu cordial abraço.
Anor Cordeiro

Anônimo disse...

Ivo Roberto Cacace (Facebook):
Saudosas Lembranças!! Simplicidade acima de tudo!! Foi uma honra ter sido comandado por ele na Secretaria do IECA por ocasião do Cinquentenário da Escola,

Anônimo disse...

Iolanda Carneiro (Facebook):
Eu adorava este professor de Pratica de Ensino e Didática! Saudades.

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