agosto 16, 2018

O LEGENDÁRIO LAWRENCE DA ARÁBIA - um brasileiro nascido na Serra/Cuesta de Botucatu

LAWRENCE DA ARÁBIA


Gales/Inglaterra - 1935

A moto desenvolvia alta velocidade na estreita e tortuosa estradinha rural. O vento lhe açoitava o rosto, mas ele mantinha a visão nítida graças ao óculos protetores que usava... Lawrence era apenas um homem comum correndo de moto, numa estrada comum, como comumente ocorre em tantas e tantas pequenas e comuns cidades de tantos países...





Naquele momento, ele não queria se lembrar de Lawrence da Arábia, o herói idolatrado da 1ª Grande Guerra Mundial, nem do sonhador que conseguiu unificar as tribos nômades e rivais, constituindo a Nação Árabe... Não, definitivamente, não!

Até seu nome ele mudara, acrescentando Shaw, passando a assinar Thomaz Edward Lawrence Shaw. Era preciso apagar a imagem do Grande Herói. Do Herói que unificou os árabes e mobilizou os ingleses, mas e principalmente, o Herói que serviu para a entrada dos Estados Unidos da América como decidido apoio aos ingleses, garantindo a vitória contra os eternos adversários alemães. Tudo isso ele precisava apagar de sua memória... E acelerava com volupia a moto...

De ascendência nobre, loiro, Lawrence passara toda a sua infância e adolescência buscando respostas para a sua origem: sua mãe nunca lhe dera a necessária segurança de quem era seu pai. Sempre ouvira o comentário de que Thomaz Chapmam, amigo da casa e também ele de ascendência nobre, seria seu pai, apenas não acontecera o casamento por questões menores...Será? Nunca vira no relacionamento de sua mãe e Mr. Thomaz qualquer resquício de amor : eram apenas e tão somente muito bons amigos, só amigos, sempre amigos...Tão amigos eram que Mr. Thomaz, solteirão inveterado, deixava que o “boato” corresse solto na rígida sociedade inglesa do início do século.


Foto original de Lawrence da Arábia e foto do Colégio de Oxford onde ele estudou na Inglaterra.

O Império Britânico ainda era um império e sua influência era indiscutível no mundo todo. Como todo inglês de nobre ascendência, Lawrence tivera sua instrução secundária e superior em Oxford. Convocado pelas Fôrças Armadas de Sua Majestade, serviu de 1910 a 1914 em Carchemish, no Rio Eufrates, como assistente nas escavações do Museu Britânico. Em seguida, atuou no Departamento Árabe, eis que era um estudioso e entusiasta da causa árabe. Sua atuação no “front” da guerra, ajudando os árabes contra os turcos, começou discreta, ainda como Tenente, foi promovido a Major, encerrando-a como Coronel.

Lawrence da Arábia conseguiu unificar as tribos árabes. Liderou-os pessoalmente, vestiu-se como eles, viveu como eles, foi seviciado barbaramente pelos turcos, enfrentou desafios inimagináveis e os venceu. Virou Herói Mundial. Seu ideal para a Nação Árabe, no entanto, não conseguiu motivar as grandes Nações vitoriosas. Nem os Estados Unidos, nem a Inglaterra estavam tão preocupados com a independência árabe a ponto de esquecerem o mar subterrâneo de petróleo que existia nas terras a serem entregues aos árabes. Nem o futuro Rei Faiçal queria uma independência maior do que a formal dependência das grandes Nações...

Os dirigentes das grandes Nações e os líderes árabes se compuseram facilmente e o descarte milionário daquele que conseguira a unificação e a vitória árabe era conveniente a todos...



Possuidor de grande cultura, Lawrence escreveu o livro “Os Sete Pilares da Sabedoria”, no qual narrou com o coração a sua participação no movimento nacional árabe contra a opressão turca. Entregou os originais à Editora no ano de 1926 e a 1ª edição foi publicada em 1935. Do livro, a sentença maior e definitiva foi dada por Sir Winston Churchill :”Um dos maiores livros já escritos na língua inglesa...” Pertence aos clássicos da Literatura do Império Britânico...

A moto ia a mais de 200 km/h. O verde dos campos ingleses enchia os olhos de Lawrence... A vida perdera sentido para o Grande Herói. Com vida abastada, Lawrence nunca mais conseguira levar a vida como um homem comum, nunca mais pudera ter uma vida igual a de seus contemporâneos...

E um uomo qualunque era tudo o que Lawrence queria ser : comum, só comum, com as come-zinhas preocupações do dia-a-dia do homem comum, cujo horizonte e cujos sonhos não iam, com certeza, além dos limites do cotidiano.



E acelerava a moto, mais e mais, sem ver, antes da curva, os dois ciclistas que vinham ou entravam em sua mão de direção. Procurou desviar, inútil...

Alí, Lawrence da Arábia deixava os seus pesares e o mundo e os sonhos...

Alí, o Grande Herói descansava sem ver concretizado o seu ideal, sem ter a resposta da sua origem, mas deixando, com certeza, gravado em ouro o seu perfil de herói que soube acreditar no seu sonho, que trabalhou para a vitória contra todas as previsões dos “experts” e que deixou para a posteridade, inteira e grandiosa, a imagem imorredoura de Lawrence da Arábia...

***

Botucatu/São Paulo/Brasil - 1888

A madrugada fluíra leve, era noite de lua majestosa clareando e delineando o perfil serrano... Final de linha da estrada de ferro, limite conhecido da “boca do sertão”, a Fazenda do Conde de Serra Negra era um oásis naquele fim de mundo... Localizada ao lado da Estação da Vitória, Distrito pertencente a Botucatu, era privilegiada : a estrada de ferro chegara até Vitória e ainda não galgara a morraria para chegar à sede do município...

O solar do Conde de Serra Negra fora construído com primorosa técnica européia, decoração em estilo francês desde o assoalho até os lustres e mobiliário. Tudo importado, tudo em conformidade com a última moda ou a última “mania” dos nobres europeus...Piano alemão, prataria e louça inglesas, o refinamento e a opulência eram sentidos em todos os detalhes... Os jardins eram majestosos, ocupando quase 200 metros à frente do casarão, com mosaícos verdes em estilo francês e o cultivo das mais exóticas plantas. Quase próximo da entrada da varanda, quatro esculturas, cada uma representando uma estação do ano. Na parte dos fundos do casarão, pomar de fazer inveja ao mais exigente gourmet.

                                          Na foto, eu e Valdemar Juliani

A famosa Fazenda do Conde de Serra Negra sendo visitada pelos integrantes do “Grupo Papa Trilhas” e, em um segundo momento, já sendo restaurada pela Usina São Manoel, atual proprietária.

Anualmente, o Conde e a Condessa de Serra Negra passavam alguns meses na Europa percorrendo, religiosamente, França, Portugal e Inglaterra. Em França, tinham mansão, fazendo-a, sempre, de porto-seguro para suas andanças pelo velho continente. Pelo menos uma vez por ano, iam até Roma buscar a bênção papal. Tudo era diferente nos domínios do Conde...

A visita do Conde D’Eu (o príncipe Gastão de Orleans), programada para abril de 1889, estava sendo o grande evento dos monarquistas para “brecar” o avanço das idéias republicanas. A presença do marido da Princesa Isabel haveria de mobilizar toda a sociedade da região. Assim, a Condessa e seus familiares somente estariam na fazenda no início de março do próximo ano, quando estariam a preparar a recepção ao consorte imperial...

A presença do Conde de Serra Negra na sede da fazenda chamara a atenção dos moradores da região e, principalmente, da pequena Botucatu. A curiosidade cabocla aumentava, quando se sabia da presença já por mais de três meses de uma jovem nobre inglesa e de sua dama de companhia... A presença naquela bela noite e por toda a noite, do jovem médico, Dr. Costa Leite, mandado buscar pelo Conde, deixava os curiosos de plantão fazendo mil conjecturas. Agora, o que mais aguçara a curiosidade de todos, era a presença do Delegado Pedro Egídio, conhecido por sua rigidez e pelo convívio subalterno com os poderosos. Tudo sinalizava para um acontecimento importante, muito importante...

Que era parto anunciado da inglezinha, todos já sabiam... Só não sabiam do porquê da presença do médico. Os partos que ocorriam na região, nas mais importantes famílias, sempre eram assistidos pelas parteiras de reconhecida prática e competência... A presença do jovem médico só podia ser levada à conta da “postura européia” do Conde de Serra Negra... Todavia, a ausência da Condessa com tão ilustres visitas era estranha, muito estranha...

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Ilustrações do Prof. Vinício Aloise sobre os domínios do Conde de Serra Negra, a chegada da Estrada de Ferro Sorocabana - EFS, o Dr. Costa Leite de trole e as paisagens da Vila de Vitória (Vitoriana).

O Dr. Costa Leite chegara à cidade de Botucatu no ano de 1886, seguindo o caminhar do progresso que a ferrovia implantava... Hoje, na Estação da Vitória (Vitoriana) e com certeza e em cima das promessas dos poderosos chefes políticos locais, para o ano de 1889, os trilhos estariam vencendo a morraria e chegando a Botucatu. O Chefe dos trabalhos era o Engenheiro Schmidt, de origem alemã, que seria o encarregado de recepcionar a visita do Conde D’Eu e que era homem de confiança e fiel escudeiro do Conde de Serra Negra... Sem ser político, o Conde de Serra Negra era a maior expressão do poderio econômico no final da monarquia e continuaria intocável pela República até seu falecimento...

Com os primeiros raios de sol, a sede da fazenda se iluminara com o nascimento de um robusto e belo menino. A notícia correu rápido, aguçando a curiosidade e aumentando a fantasia do povaréu que se deliciava com o acontecido. A chegada da estrada de ferro na pequena Vitória propiciou a criação de uma linha de trole entre a Estação e Botucatu, aumentando os negócios e a presença de pessoas nas imediações das terras do Conde. E mais não se soube, pois ninguém entrava ou frequentava os domínios do Conde, sabidamente vigiado por peões de alta competência...

Esse era o cenário dos domínios e do poderio do Conde de Serra Negra. E nem poderia ser diferente para quem tinha só na região de Botucatu mais de 900 mil pés de café, sendo que tinha 2 milhões e trezentos mil pés de café nas 15 fazendas de café que possuia no Estado de São Paulo e no Estado do Rio de Janeiro. Somente mês e meio a família do Conde vivia na região. No mais, estando no Brasil, o Conde percorria as suas propriedades, enquanto a Condessa cumpria as suas obrigações sociais e assistenciais na Corte, no Rio de Janeiro e em São Paulo, onde a família convivia com o Poder Político e com os grandes financistas paulistas. No ano anterior, 1887, o Conde de Serra Negra mantivera seguidos contatos com o Barão de Parnaíba, Presidente da Província, obtendo a promulgação da Lei que autorizava a extensão do traçado da Sorocabana (Lei nº 25, de 19 de março de 1887), até Botucatu e São Manoel.

O evento ficou registrado. O nascimento ocorrido, cercado de toda a pompa, foi comentado como mais um desempenho “exótico” do Conde de Serra Negra. Da boca do Dr. Costa Leite, nunca se ouviu uma palavra sobre os detalhes do parto ou das pessoas visitantes, apenas que ele assistiu ao parto levado a bom termo por parteira habilitada... Era menino, robusto e sem problemas... Mesmo sendo anglicana, a jovem nobre cedera à sugestão do Conde e recebera a visita do Padre Ferrari, amigo da família do Conde desde a sua chegada a Botucatu onde residiam seus familiares, sendo que seu irmão Estevam Ferrari, era casado com Dona Alcinda Cardoso de Almeida, irmã do rico comerciante Antonio Joaquim Cardoso de Almeida, um dos poucos de Botucatu a frequentar as reuniões do Conde na Capital e a ser considerado um amigo. Padre Ferrari dera a sua bênção ao recém nascido e, também dele, nunca se soube sobre o assunto... A jovem inglesinha ainda permanecera por mais dois meses na fazenda, partindo em seguida para o velho mundo, levando as imagens gravadas de um país diferente, de uma gente diferente da sua, mas que lhe deixaram marcada a mais sublime experiência feminina: a maternidade.

Conde de Serra Negra

Conde de Serra Negra ou Manéco Conceição ou ainda Manoel Ernesto Conceição...

Não importava à época e não importa agora. Tanto naquele tempo como agora só os “do contra” e os que se incomodam com o sucesso alheio haveriam de atentar para esse fato...

Título da Guarda Nacional ou Título concedido pelo Vaticano como forma de reconhecimento aos beneméritos? Ou o Título viria de linhagem nobre lusitana?!?

O Conde de Serra Negra era filho do Barão de Serra Negra e genro do Barão de Valença (um dos maiores cafeicultores do Estado do Rio de Janeiro e do Vale do Paraíba), sendo que seu irmão, Dr João Batista da Rocha Conceição, permaneceu proprietário da Fazenda Nazareth – sede da família do Barão em Piracicaba -, constando que o mesmo também tivera propriedade no município de Botucatu ( as Fazendas Lageado e Edgardia, chegaram a ter mais de 1 milhão de pés de café). Em Piracicaba (Villa da Constituição), a família do Barão de Serra Negra tinha “status” e poderio econômico: além de grande proprietário rural e produtor de café, o Barão era presidente do Banco de Piracicaba e grande benemérito. Até um Bairro Serra Negra havia em homenagem à família.



Fotos da Fazenda Nazareth (Piracicaba).

O certo e garantido é que o Conde era muito rico. Rico em exagero. Rico a perder de vista...

Cerca de 15 fazendas de cultivo de café. Mais de 2 milhões de pés de café. É muito poderio. Tanto foi assim que o Conde brilhou durante a Monarquia e continuou a brilhar durante a República. Antes de 1910, o Brasil começara a acusar um descontrole em sua política cafeeira, com os portos estocando cada vez mais o excedente da produção, processo que iria culminar com a crise de 1929/30. Era o fantasma da superprodução provocando o declínio dos preços e a triste realidade dos estoques encalhados de café...E o poderio econômico do Conde começava a ser implacavelmente minado... Uma a uma as fazendas iam se acabando no acerto inadiável dos débitos assumidos e sempre honrados. Uma das últimas foi a Fazenda do Conde de Serra Negra, no Distrito de Vitoriana, no município de Botucatu... Essa última perda não foi presenciada pelo Conde. Ainda bem...

Soube viver o seu tempo. Foi nobre por conquista e mérito.

Todos os filhos foram educados no velho continente, mais precisamente em Paris, onde a família mantinha mansão e serviçais. Os filhos Raul e Pedro se destacaram nos estudos e souberam ajudar a família na administração de seus bens.


Foto Histórica: A Família Serra Negra. Sentados: o Barão de Serra Negra (fundador do Banco de Piracicaba e da Santa Casa de Misericórdia de Piracicaba) e seu filho Manoel Ernesto Conceição – Conde de Serra Negra. Ladeados pelos outros filhos do Barão.

A Condessa de Serra Negra, sempre uma presença discreta ao lado do marido, soube se impor aos que com ela conviveram após o falecimento do Conde. Jogava xadrez, tocava piano, apreciava as óperas e era reconhecidamente uma anfitriã inigualável...

***

O Distrito da Vitória (depois Vitoriana) era o retrato vivo da conquista de novas terras pelos valentes desbravadores que estavam construindo a grandeza do país. A presença dos imigrantes já se fazia notar : era a substituição da mão de obra escrava pelos braços dos que traziam uma cultura milenar a enriquecer o Brasil. Alemães e italianos marcavam presença...

Na Fazenda Serra Negra eram muitas as famílias dos imigrantes italianos na Colônia... O Conde desde há muito tempo acreditava que a mão de obra escrava era um equívoco e que isso só trazia atraso e pobreza. E na Vitória não era diferente : as famílias de italianos começavam a mudar os costumes, o mesmo ocorrendo no Alambari (Piapara). Tudo reflexo do que ocorria em Botucatu que estava recebendo verdadeira leva de italianos alegres e entusiastas.

Também o Tenente-Coronel Braz de Assis Nogueira, filho de Francisco de Assis Nogueira benemérito de Botucatu com sua doação de terras para o Patrimônio, contratara mão de obra européia: era o alemão Joseph Scanis encarregado de sua lavoura de café. Na construção da Estrada de Ferro também era grande a presença dos alemães, contratados pelo Engº Schmidt, Encarregado-Chefe.

Nem a postura dos americanos que aqui permaneceram e que mantinham seus escravos trazidos dos Estados Unidos, após a guerra civil, abalava a opinião do Conde a respeito da escravatura. E ele tinha amizade com o Major Robert Merriwetter,que atuou na Fazenda Indiana, junto ao Rio Capivara, onde instalou serraria movida a água e constituiu ampla família. O Conde gostava de conversar com o Major e apreciava as boas novidades que eles trouxeram da América do Norte : o peru preto, a melancia e a cultura que implantaram na pequena Botucatu com o Colégio Knüppel, dirigido pelo Prof. Carlos Constantino Knüppel, notável educador alemão e do qual se dizia ter sido amigo de Bismark ( o grande Chanceler do Reich). O Prof. Knüppel pôs em prática um revolucionário sistema de ensino para a época.

Desde 1872 que Botucatu passara a ser importante centro de comercialização de escravos, com excelentes “espécimes” vindos de várias partes do Brasil. A expansão da cultura cafeeira exigia muita mão de obra e o comércio de escravos cresceu na mesma proporção. Basta dizer que o Brasil foi um dos últimos países a abolir a escravatura...

A verdade era que os senhores rurais já estavam antevendo o fim da escravatura e começaram a tomar as suas providências...
Com o aumento do clamor da população que cada vez mais e mais se posicionava contra aquela aberração e com a adesão explícita de vários segmentos sociais, especialmente da Maçonaria, os dias da escravidão estavam contados. Daí, surgia o jeitinho brasileiro : começaram a aparecer os “contratos de empreitada”, através dos quais, em meados dos anos 80, os senhores rurais encontraram um meio de burlar as leis que haveriam de abolir a escravatura no Brasil. Por esses “contratos”, os Fazendeiros concediam a “carta de alforria” em troca de compromisso do escravo liberto de trabalhar por determinado número de anos na Fazenda. Esse determinado número de anos oscilava entre 3 a 10 anos, sendo que a média era sempre de 6 anos. Essa foi a forma encontrada para se manter a escravatura em plena legislação que proibia essa ignobil exploração humana.

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Esse era o cenário da época do Conde de Serra Negra.

A Abolição da Escravatura veio em 1888.

A Proclamação da República veio em 1889.

O cenário continuava o mesmo: a oligarquia rural comandava as mudanças e dava apoio “às novidades”... Pouca coisa haveria de mudar. Nem a Abolição e nem a República!

Exemplo disso foi o que ocorrera na pequena Botucatu: já no dia 16 de novembro, logo após a Proclamação da República, os “republicanos” de Botucatu “cassaram” a nomeação do temído monarquista, Delegado Pedro Egídio. Pois bem, já no dia seguinte, a 17 de novembro, por expressa ordem do Governo Estadual, o antigo Delegado era novamente reempossado e tudo haveria de continuar exatamente como era no dia 14 de novembro...

Os Chefes Políticos apenas fizeram um revezamento na execução das tarefas...

Assim, o Conde de Serra Negra, sempre sem qualquer vínculo com o mundo político oficial, continuou a “acompanhar” o crescimento de Botucatu e a evolução de sua gente: esteve com o Monsenhor Ferrari em Roma batalhando pela criação da Diocese de Botucatu, concretizada em 1908; foi um dos grandes incentivadores da instalação da luz elétrica na cidade, mas essa atuação será objeto de nossa próxima abordagem...; a criação de nossa escola normal e a carreira brilhante do Dr. Cardoso de Almeida (filho de seu amigo Antonio Joaquim Cardoso de Almeida) que chegou a ocupar os mais importantes cargos no Estado e na República...tudo isso não haveria de ocorrer sem o “acompanhamento” sempre discreto de um competente anjo da guarda...

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A instalação da luz elétrica em Botucatu seria um marco importantíssimo para a cidade e a luta e as viagens para a obtenção dessa conquista haveriam de mudar os rumos da vida do Conde de Serra Negra de forma irreversível...

Já dissemos da amizade sincera que o Conde nutria pelo comerciante português Antonio Joaquim Cardoso de Almeida. Pois bem, essa amizade haveria de levar o Conde a uma série de novas amizades, todas elas ligadas por parentesco com o chefe do clã dos Cardoso de Almeida.

O Monsenhor Ferrari era cunhado de Dona Alcinda Cardoso de Almeida Ferrari. Batalhador, o Monsenhor Ferrari foi o idealizador da criação da Diocese de Botucatu, em 1908.

O casal Estevam Ferrari e Dona Alcinda tiveram um filho chamado Alcides de Almeida Ferrari. O Dr. Alcides formou-se advogado, foi vereador e promotor em Botucatu, ingressou na magistratura, chegou a Desembargador e terminou como Presidente do Tribunal de Justiça do Estado.

O velho Antonio Joaquim Cardoso de Almeida tivera vários filhos, mas um deles, (o José Cardoso de Almeida (o Juca), haveria de marcar época na política paulista. Formado pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, foi Deputado Federal, Secretario da Justiça e da Fazenda, Secretario do Interior, Secretario da Segurança Pública, Presidente do Banco do Brasil, Líder da Maioria no Governo de Washington Luís, o Dr. Cardoso de Almeida só deixou o poder com a Revolução de 1930, quando partiu exilado para o exterior, vindo a falecer em Paris.

Ainda o Dr. José Cardoso de Almeida viera a se casar com Dona Ismênia Ramos de Azevedo Cardoso de Almeida, sendo irmã do consagrado Arquiteto Ramos de Azevedo, construtor dos mais belos e destacados prédios públicos da cidade de São Paulo e da cidade de Botucatu (Forum Desembargador Alcides de Almeida Ferrari).

A família Cardoso de Almeida fora a responsável pela criação da Empresa Força e Luz de Botucatu, por iniciativa de Antonio Cardoso do Amaral (Nenê Cardoso), irmão de Juca, como Intendente Municipal (1905). A seguir, a criação da CPFL - Companhia Paulista de Força e Luz, novamente através da família Cardoso de Almeida e novamente contando com a competência técnica do Engº Manfredo Costa, que fora o responsável, em 1905, pela instalação da Empresa de Força e Luz de Botucatu e, em 1912, coordenara toda a criação da CPFL, que veio a absorver a empresa de Botucatu.

Aí começa a aparecer o perfil mágico do Conde de Serra Negra.

Sim, o Conde sempre teve o seu “dedo” colocado para a concretização de tantos ideais e para a obtenção de tantas e tantas conquistas...

Mais especificamente, na conquista da luz elétrica, a atuação do Conde seria marcante.

Ele indicara à família Cardoso de Almeida, o Engº Manfredo Costa para a necessária assessoria técnica. Fizera mais : desde 1886, continuando em 1887, fizera várias viagens à Inglaterra para contato com financistas e com as industrias de equipamentos para a usinagem de eletricidade, como geradores, turbinas, etc.

Mas estas viagens, com certeza, já são uma outra história. História envolvente, que trouxe progresso e desenvolvimento para o interior do Estado de São Paulo e consagrou um belo caso de amor e deixou marcada para a humanidade a passagem de um Herói Mundial, Benfeitor da Humanidade.

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Inglaterra - 1886/1887

O Conde de Serra Negra aumentara seus contatos com a City de Londres no ano de 1886. Sempre mesclando os contatos com os financistas ingleses com reuniões com membros do governo, jantares e caçadas com a nobreza. Em suas viagens anuais à Europa, o Conde sedimentara um relacionamento para o qual a riqueza e o poderio econômico eram indispensáveis mas que o charme pessoal, sem dúvida alguma, era o que marcava o sucesso e garantia a abertura das mais fechadas portas.

Desde muito antes de 1886, o Conde e a Condessa de Serra Negra tiveram encontros e jantares que contaram com a presença de uma bela jovem da nobreza inglesa. Os contatos eram sociais e até formais, mas desde a primeira vez o Conde sentira naquela jovem de pele tão alva e tão delicada uma atração que mexia fundo em seus sentimentos.

Em 1886 e em 1887, viajara sozinho à Inglaterra, eis que a Condessa ficara, nas duas ocasiões, com os filhos em Paris.

O que teria ocorrido... o possível caso de amor, o auxílio à amada, a travessia do Atlântico, o abrigo discreto para não chocar a rígida moral da corte inglesa, o surgimento do “menino” somente depois de preparada e muito bem preparada a situação, o segredo sempre bem guardado, o acompanhamento à distância com olhos de admiração e coração fraterno, a consagração do Grande Herói, a trajetória empreendida por Lawrence da Arábia, orgulho do Império Britânico, exemplo da luta contra a opressão... modestamente a história de um brasileiro nascido na Cuesta (Serra) de Botucatu. (AMD).

(revista Peabiru, nº 06, de novembro/dezembro de 1997)


Comentários:

1)"O "Lawrence" é material para novela. Que história mais fantástica..."

Alcides Nogueira, escritor e dramaturgo (19/01/2000);

2) "Há décadas cheguei a esboçar um romance"A Fazenda" que não sendo a do Conde seria aquela. O antigo editor Diaulas Riedel, menino-jovem passou ali férias de verão e com entusiasmo e minúcias, descreve-a. A Condessa, idosa, mantinha quiosque no Boi de Bologne no qual, no inverno, oferecia café brasileiro. De certo, da fazenda. Imagine escravos abrindo picada do Porto Martins a fazenda, veludos italianos, mudas de pinho de Riga, piano alemão para a casa sede. Boa tarefa será um volume - elaborado sem pressa - para a tal casa, a mais importante da região. Abraço, obrigado.

Hernâni Donato, escritor e historiador (20/01/2000)."

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