PROMOTOR PÚBLICO: DEFENSOR DA SOCIEDADE!
Importante o depoimento do Promotor Público, à época da invasão e agressão ocorrida em Botucatu. Era o Dr. Hugo Nigro Mazzili, um dos mais destacados membros do Ministério Público. Meu colega na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (USP):
“Em torno de 1981, plena Ditadura, eu era Promotor de Justiça de Botucatu. Paulo Maluf era Governador do Estado, nomeado pela Ditadura. Ele tinha ido à cidade numa tarde, para inaugurar equipamentos da UNESP – Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. Era, talvez, uma quinta-feira, dia de trabalho normal no Fórum, de maneira que nós, os Promotores e os Juízes da Comarca não fomos à inauguração, embora convidados. No dia seguinte, quando abro o jornal O Estado de S. Paulo, havia uma reporta- 19 gem, com fotos, noticiando luta e lesões corporais entre policiais da segurança pessoal do Governador e estudantes. Tomei o telefone e liguei para o Delegado de Polícia da Comarca, Feiz Zacharias, e eu lhe perguntei o que tinha acontecido na véspera. Ele me disse, secamente: é o que você leu no jornal. Ele era um homem de poucas palavras, firme, corajoso. Eu perguntei: tem gente ferida? Tem, disse ele. Eu indaguei se tinham passado no Instituto Médico Legal, e ele confirmou. Eu perguntei se ele tinha aberto inquérito policial. Ele disse: não, nem vou abrir. Eu disse: vai sim, vou requisitar. E ele: você sabe bem o que está fazendo?… Eu afirmei: não posso deixar de fazer isso, vou requisitar. Ele me disse: só por escrito. Lógico, foi a minha resposta final. Ora, o que tinha acontecido era o seguinte: enquanto o Maluf estava no anfiteatro, fazendo a inauguração, a estudantada do lado de fora, gritava “um dois três, Maluf no xadrez”, “quatro cinco mil, Maluf…” eu esqueci o resto da rima. Aí a segurança do Governador deu um esparrama na estudantada, cassetete de um lado, pauladas e pedradas de outro, e havia gente ferida, sem gravidade, de ambos os lados — mas, naquela época, lesões corporais eram crime de ação pública incondicionada. Tomei minha máquina de escrever e fiz duas requisições: uma, assinada só por mim, Promotor Público, citando o art. 5º, inc. II, do Cód. de Processo Penal; outra, idêntica requisição, mas esta a ser assinada por mim e pelo outro Promotor da Comarca — naquela época, a Comarca só tinha dois Promotores. Aí eu procurei o colega Eduardo Vasconcellos de Matos já no dia seguinte, sexta-feira, e perguntei se ele tinha visto o jornal referente aos fatos da véspera na Comarca. Ele respondeu secamente: Vi. Eu disse: acho que temos de fazer alguma coisa… eu vou requisitar inquérito policial. Eu quero saber se você está comigo nisso ou se estou sozinho… Aí mostrei para ele as duas requisições e disse: aí há duas requisições; aquela que eu faço sozinho já está assinada; ela vai hoje; a outra é se você quiser assinar comigo. Ele leu, leu, olhou… e disse: nunca vi uma requisição de inquérito policial assinada por dois Promotores! Eu disse: eu também não; eu só quero saber se estou sozinho ou se você está comigo; se é o Hugo requisitando o inquérito, ou se é o Ministério Público da Comarca; mas que vai, vai. Ele ficou mais algum tempo olhando o papel… pegou a caneta e assinou! Chamei um funcionário e disse-lhe que entregasse, sob protocolo, a requisição dirigida ao Delegado de Polícia, que foi o que ele fez. E passei o fim de semana cuidando das minhas atividades. Ao chegar ao Fórum, no começo da tarde da segunda-feira, o telefone tocando e todos me procurando desesperadamente. Telefonema da Procuradoria-Geral de Justiça, tentando me localizar. Cheguei à sala do Eduardo, ele estava com o Jordão no telefone; Jordão era assessor do Procurador-Geral, o Peres, naquela época. O Eduardo falava: pois é, Jordão, eu falei isso para o Hugo, mas você sabe, Jordão… Eu falei: Eduardo, me dá o telefone aqui. O Jordão me fala: Hugo, o que é isso, você tem janela, o Governador ligou para o Procurador-Geral, é a segurança pessoal do Governador, onde já se viu isso e tal… Eu disse: calma, calma, você está mal informado; vou te falar o que aconteceu; houve uma briga na rua, tem gente ferida, isso é crime, e você passe bem! E pá… desliguei o telefone! Se eu estou recebendo pressão, imaginei o que estava acontecendo. Fui imediatamente à Delegacia. Já tinham tirado o Delegado de Polícia do caso; mandaram de São Paulo um Delegado do DOPS — Delegacia da Ordem Pública e Social, que avocou a presidência 20 do inquérito, era Sílvio não sei de que Machado, irmão de um Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo. O Delegado era um indivíduo bem mais velho que eu, experiente, vivo… chegou para mim e disse: doutor, tudo o que o senhor fizer aqui é por escrito. Eu falei: é lógico! Eu sou técnico. Mandei acarear, mandei proceder a reconhecimento pessoal os integrantes da segurança pessoal do Governador, tudo na minha frente. Algum tempo depois, o inquérito policial foi distribuído para outra Promotoria que não a minha, e um Promotor de outra Comarca foi designado, e não fui eu quem funcionou no arquivamento… Esse é o sistema do Promotor designado. Já o sistema do promotor natural é o de quem tem atribuições por
Participação do Dr. Hugo Nigro Mazzilli na série Ditadura, Democracia e Memória, promovida pela Escola Superior do Ministério Público de São Paulo, em 11 de junho de 2014, na sua sede.1”
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